terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

carro alegoria

Metade da vida é alegoria
O carro carrega o brilho 
Dessas ilusoes
Que enchem os olhos
E por vezes
Animam o peito
O Rei Momo reluz
Depois da festa
O brinquedo se quarta
Quase cinzas 
Vida que segue
Bloco que passa

sábado, 9 de julho de 2022

quem mandou? vão esconder

Feito Giordano, esse Bruno
Também foi executado
Por mando de poderosos
Milicianos malvados
Os orgãos aparelhados
Não servem pra defender
Metem foice no saber
Destroem tudo que é bom
Mataram Bruno e Dom
Quem mandou? vão esconder...

Um desmonte nas conquistas
Que havíamos logrado
Fez política de Estado
A morte de ativistas
Por baixo das nossas vistas
Exonerou, pôs os seus
Falam em nome de Deus
Mas vão desbancar o cão
É muita ruindade, irmão
Se acham Ptolomeus

Gente que defende a vida
Vem sendo assassinada
É muita vida ceifada
Dando impedimento a lida
Como se fosse indevida
Como se ali não coubesse
E o desmatamento cresce
E o crime vai vencendo
O sangue vai Escorrendo
Quem presta "desaparece"

É método, não descaso
É genocídio que chama
Querem apagar a chama
Querem deixar tudo raso
Falam de encerrar o caso
São "discretos" pra valer
Pra notícia não crescer
Melhor abaixar o tom
Mataram Bruno e Dom
Quem mandou? vão esconder...

Nunca vieram em paz
anunciada essa guerra
"Um milímetro de terra
Pro índio não vai ter mais"
Professou o Satanás
Antes de se eleger
E que se faça saber
Nas luzes de um boi neon
Mataram Bruno e Dom
Quem mandou? vão esconder...

"Em tudo que é ativista
Vou dar um ponto final"
Foi outra meta, afinal
Que aos poucos se conquista
Posso fazer uma lista
Pra gente não esquecer
Tanta gente, é de doer
Foi morta nesta gestão
Mas se "salve a seleção"
Quem mandou? Vão esconder

terça-feira, 8 de junho de 2021

sou um peito


Sou um peito que amamenta
Se nego por vez esse sumo
Meu filho me diz com raiva
"Não queio socê"
E me chuta e esmurra

Quando um peito seca
Ele procura outro
Quando o outro seca
Ele procura o um...
Quando os dois secam
Ele pede: "peito gande,
Queio peito gande".

Como se um peito gigante
Fosse descer numa nave espacial
Ou surgir do âmago
Ou surgir da terra

"Por que tu tá chorando, mãe?"
A mais velha pergunta
"Porque as mães também choram", respondo
E se segue repetida a pergunta
Até que transfira a ela
a questão que me impõe
"Você sempre sabe por que
está chorando, filha?"
"Sei" , ela responde,
"Quando alguém me chateia...
Quando meu pai desliga a tv"...
"E você mãe, por quê?"
...
Faz 6 anos que amamento
Com o intervalo apenas
De um tempo de gestação...

Doamos nossa estrutura
Os sumos de nosso ossos
E somos tão invisíveis
Com invisíveis esforços
...
Sou a vaca e a cachorra
O leite em pó que azeda
E vai pra pia sem pena...
Sou pessoa que amamenta.
Um esforço invisível
Que o geral acha inútil
Mas "A vida não é útil"...










domingo, 14 de fevereiro de 2021

relato doido de parto de Esmeralda

Relato de parto de Esmeralda

Mainha dizia que quando eu nasci, depois de toda uma saga, comigo no colo, a primeira coisa que fiz foi segurar a orelha dela. Um reflexo, sim, de todo modo estava eu ali, a chamando para a escuta... Quando Esmeralda nasceu, de um parto casariano, me mostraram ela, feito um vulto, rapidamente, na loucura do momento, pensei - porque ela parece com a avó?. Era a avó paterna a avó que minha mente se referia ali. Foram os primeiro traços que observei naquela aparição relance que seguiu com as enfermeiras enquanto eu apagava para ressurgir fora daquela sala de cirurgia. Quando tornei estava Esmeralda sendo banhada mais a frente, a esquerda, não pensei nada naquele momento de mistura. Os barulhos da água trabalhavam junto com a voz da atendente que falava ao telefone é parecia ser de mim, da conduta das pessoas de minha família que estavam na espera... Esmeralda veio ao meu colo. Moças aparentemente residentes vieram, adentraram meu campo energético de modo estranho... senti-me um corpo de massa de modelar em uma mesa de escola primária... Esmeralda estava calma, buscava o peito muito sutilmente... Sentia a conexão acontecendo. Aquele Serginho miúdo era um milagre ali fora. Boquinha fina, seu respirar miúdo... e a agilidade karateca daquele mundo de bracinhos, pernas, dedinhos...
Comecei pela graça do encontro, faltou situar. Era quase setembro de 2014. Morávamos em Olinda, em um beco muito agradável no bairro do Amparo. A casa foi uma indicação repentina que veio na gravidez, que já tínhamos tendo uma ligação pelo fato do acompanhamento no Cais do Parto... Sei que a noite que precedeu o rompimento da bolsa e a nossa saga parturiente foi uma noite festiva, de muitas bênçãos. Na casa de Habib e Valéria acontecia um aniversário coletivo, cheio de gente querida e arte, a barriga foi muitíssimo tocada e bem energizada, e Esmeralda respondia com dança. O retorno para casa e na madrugada o tampão se destampava. Zero contratações. Mensagens para o Cais e uma euforia breve e um não saber de primeira viagem... Amanheceu com muita mulheres chegando. Tesouras sendo fervidas, banho, música, insenso, oráculos... Caminhei com Patty por Olinda. A intensão era que as ladeiras amadurecessem a descida da pequena. Seguia sem contrações. Pensava umas sandices. Dispensava. Já em casa, deitada na cama, arrodeada de Karla, Marla, Patty, Roberta... me emocionei com a chegada de Cecília. Eram muitas duplas, cada uma com sua força ali e no percurso. A já cumade Luciana filmava e legava detalhes... Rildo cantou uma música que fez durante a gravidez. Sitava bruxas, sereias, e ovos no seu chapéu... Roberta que também esperava um bebê me ajudava a viver essa dança, tão complexa da alma, a qual o corpo parecia resistir... Ia ser o primeiro parto de Karla caso tivesse sido ali, foi o primeiro parto que ela encaminhou.
No fim daquela tarde nos preparamos para o segundo plano. Lu comadre nos levou para o CISAN por indicação do Cais. No caminho liguei para Lívia... A corrente foi gigante, muitas bruxas na energia dessa chegança. Tinha uma errância bonita nesse processo. Veio a cunhada Veruska, vieram tio Fernando, Tia Dorinha e o primo Gabriel... Não fomos de cara aceitos no Cisan. Lá tentaram nos mandar para a maternidade Barros Lima em Casa Amarela, mas depois de uma conversa com uma médica antipetista fomos redirecionados a encruzilhada. E depois de um vaievem de plantões, indução de parto, e um quase parir que não pária... fomos pra faça.
Subi querendo tentar, Cecília me acompanhou, Rildo não pode entrar. Lá era um largo corredor cheio de camas e mulheres esperando a hora de parir. Pra parir mesmo tinha uma sala de parto, então, quando alguma situação evoluisse pra um coroar é que seria o caso a entrada do pai no jogo... o desespero era grande, e desse modo uma ausência cabia, no medo, na antecipação, nas crenças limitantes... cansaço era boia. Vai pra bola, fica de cócoras, faz força, sem gritar... fiquei feito uma perua tonta, andando de uma lado para o outro, quando vinha a contração parava onde estivesse, naquele corredor não tão apropriado. Uma enfermeira que talvez chamasse Larissa me ofereceu um banho, foi um dos momentos que me senti sendo acolhida... Larissa me olhava nos olhos, sua força foi um respiro naquele contexto. Luciana rendeu Cecília e foi ela que estava lá quando já tinha um cabelinho aparecendo. "Sua filha vai nascer, não tem nada de errado" ... E nessa estância ela quase nasceu, e nasceu, do jeito dela, do jeito que foi, com as benção de Iasã.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Casa barriga

 
A casa barriga era 
[um balaio pendurado.
No chão tábuas soltas,
no cordão, passarinhos
[de barro.
Voa a beringela,
os sucrilhos, o lenço,
[no chão.
Voa o balaio pendurado.
As bonecas, a TV, o chão
e o balaio pendurado.
A porta, ferrolho, cadeira,
[portão... Tela,
janelas...
Passarinhos de barro.

Ciclos

Queria poder assumir meu eu cigano
Mas não tenho provas

Queria poder assumir minha África
Mas não tenho a cor

Queria assumir meu sangue indígena
Mas me roubaram esse direito

Tenho um buraco
cheio de nomes e sobrenomes

Se assumo a mistura corro o risco
De suprimir os privilégios

Se nada assumo fico feia
Em cima do muro

Nunca fui afeita à apatia
Não fosse a doença

A onça magra me caça
Morta pelo ancestral errante

Eu tateio tudo
Muda na avalanche

O século é da estrela
É a estrela é o Sol

A lua muda comigo
Somos apenas ciclos

A natureza da flor

Inquietante pensar
Que o desamor possa haver
Que mal se possa fazer
Que a vida possam roubar
A beleza violar
Mudando o rumo da estrada
Essências violentadas
Perguntamos até quando
Eu vi as plantas velando
Mil flores despetaladas

Sob leis eclesiais
Hipocrisia imperante
Alguns direitos vitais
Tomaram tom dissonante
O proscrito e o errante
Voz que quiseram calada
Sabedoria queimada
Em fogo se transformando
E a natureza velando
Mil flores despetaladas 

Mil flores despetaladas
Estrada e terra que voa
Espinhadeira corroa
Na Crística caminhada
Porém a nossa pisada
Tem passo forte e pesado
Caminho abençoado
Pela mãe compadecida
Que gera, cuida e dá vida
Ao que outrora foi velado.

A força do feminino
Nos encoraja na fé
A graça de ser mulher
E entoar nosso hino
Um encanto peregrino
Entorna a face cansada
Abranda a dor esgarçada
Do parto pleno se dando
Sereno desabrochando
A roseira agraciada.

O mar chegou aportado
Veio esgarçando a fresta
Serena sua seresta
Sereno o seu estado
Sereias em seu legado
Um rio virando mar
Um uivo soa lunar
Na voz de todos os santos
Mil bruxas saúdam seu canto
em seu retorno para cá

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

O almanaqueiro

manoel luiz Profeta - o almanaqueiro


"Sou profeta, poeta e professor"
                        Manoel Luiz dos Santos

Almanaque, segundo Aurélio Buarque de Holanda: "Publicação que, além de um calendário completo, contém matéria recreativa, humorística, científica, literária e informativa.

“O almanaque é um gênero editorial, não um gênero literário”, afirma Bráulio Tavares.

Os almanaques, são parte importante da literatura de cordel. Populares nos nordestes do país, nas feiras, nos sertões; são parte de uma poética do campo; a relação com as chuvas, com as secas, solustícios, luas, eclipses... O plantio e o cuidado dos rebanhos... 

Os almanaqueiros são profetas, poetas, religiosos místicos... Mistos ciganos, sem ser... Brincantes com o tempo, com a métrica dos versos, com a matemática orgânica do cotidiano ampliado.

Manoel Luiz dos Santos, libriano, nasceu a 29 de setembro de 1926 no povoado Batatas do município de São José do Egito, no sertão pernambucano. Escreve e publica seus próprios almanaques, sendo o seu “Almanaque do Nordeste Brasileiro” o almanaque mais antigo em circulação no Brasil. Em 2016 completa 68 anos de publicações contínuas. 
Em nossa visita a ele em 2010, já tinha prontos, o do ano seguinte e o boneco do de 2012.

Foi por indicação da professora Cida Nogueira que fui procurar esse senhor, na terra onde cresci, na beira da pista, numa casa simples, com uma plaqueta de madeira assinalando que ali residia um profeta. Fiz uma visita rápida, com um pequeno caderno vermelho onde fui anotando pequenos dados e onde só depois pude fazer algumas notas mais amplificadas. Voltei lá depois com um gravador, emprestado de um amigo, Geraldo Palmeira filho, jornalista, de lá, e que há um tempo também já havia pesquisado e publicado matéria sobre a figura. Dessa vez foi mais longa a conversa: dois dias seguidos de visitas ao profeta. No primeiro dia foi mais um reunião de mesa; onde me tirou cartas, onde contou infância e de sua história com o tarot divinatório. Já no segundo dia, como um tradicional cigano veda, martelava metais em sua oficina. Tilintando o ancestral som da técnica, de consertar vasilhas, fazer talismãs, som de sinos. Da conversa humana com a sobrevivência e com a esquiva da passagem. Fiquei encantada com seu carisma, sua sabedoria alcançada, sua história, memória, sua insistência obsessiva em criar e saber e partilhar. A sua alegria, sua graça, sua verdade brincante. Reinventando posição no tempo. Repaginando em bricolagem e fotocópias a profissão antiga desalcansada pela hegemonia do novo, mas contemporânea livre de formatos seguidos e escolas. 

Depois dessa visita mais longa e em que não secou o poço dos assuntos, me sentia no dever de voltar lá. Pulsou a necessidade moderna de registro. Fazer um vídeo, ampliar a linguagem. E foi o que fizemos... Posteriormente, em ocasião de uma disciplina de antropologia visual que cursava, novamente, como ouvinte, reuni turma e dois "Jacarés", parceiros produtores de áudio visual, que poderiam auxiliar a função documental imagética. Assim, planejamos viagem rumo aos ensinamentos do velho.

Com uma equipe de 7, chegamos ao "berço da poesia", em tempo de eleição, procurar nosso personagem. 
A viagem, como um todo, foi repleta de aberturas, onde todos, e cada um de nós individualmente, mesmo que inconscientes disso, buscavamos, além de uma boa narrativa, as nossas próprias verdades e máscaras. 

Nosso personagem foi também diretor, já pronunciando "corta" nos momentos em que, auto crítico, um erro o surpreendia. Escolhemos como primeira locação externa "o Monte" , local rural com grande escadaria e uma pequena capela no topo, ao lado de uma grande Cruz, onde uma vez ao ano acontece uma missa, em que beatas e romeiros pagam promessas, comerciantes vão vender velas e merendas, crianças vão com seus pais e avós, moças e rapazes se encontram. Fizemos com o profeta um verdadeiro "sermão da montanha", inspirados pelo livro de Gibran, onde "O profeta" do livro responde às mais variadas perguntas. A "vida", o "Amor"... fizemos também as nossas. 

Seguimos artifícios da etnoficção, ou do chamado "documentário contemporâneo". Assim levamos Manoel ao monte, onde professou sermões e respostas.

Foi entre os monturos que achou a pista para adquirir seu primeiro tarô. Em uma propaganda da editora Pensamento. "Peça seu tarot divinatório" - e pelo endereço de correios em São Paulo viriam as lâminas almejadas pelo jovem Manoel. Perguntou ao pai se podia lhe regalar a encomenda, que ao ver que de longe viria, disse: "Chega não, meu filho, chega não". Mesmo assim, pela insistência do garoto, fez a compra.
Recebidas as cartas, que ao contrário do que proferiu o pai, chegaram, foi a feira comercializar previsões e conselhos. A primeira cliente que conseguiu no ramo tornou-se sua esposa, da qual enviuvou depois de filhos já crescidos. 

Sua atual companheira chama- se Olívia, prima sua, filha de um primo. Diz que fazia um tempo que anunciava em rádio a busca de uma parceira. Foi então que uma prima disse ao pai: "chame esse Manoel aqui pra gente se conhecer". E foi o Manoel, no sítio conhecer a filha do primo; eis que quando chegou, a moça muito "vergonhosa", se foi esconder na cozinha. A mais nova afoitou-se ajudar a irmã e foi à sala fazer. Voltou dizendo: "mulher, ele até que num é tão feio não... E tem uma coisa boa, ele é alegre". 

Em meio à falta de entusiasmo da irmã mais velha, a mais nova, Olívia, disse ao pai: "ô pai, se fulana num quiser, pode dizer a ele que eu quero". E com ela está até os dias atuais, com a "taurina do dia 5 do 5 de 55". 

É nas madrugadas, onde o senhor com hábitos noturnos acorda para trabalhar. E entre 3 e 4 da manhã que artesanalmente estuda e cria. Momento onde reina o silêncio, momento em que estão abertos portais invisíveis entre os universos.

Manoel Luiz passou três anos cego, "cego de guia",
mas não deixou de fazer almanaques nem poesias
pedia ajuda a companheira Olívia,  sua prima
 "bamba", como diz ele, na pesquisa e na datilografia  

Durante anos produziu seu folhetos através de tipografias e depois gráficas. Hoje Manoel não paga mais para que o editem, ele próprios o faz, de forma artesanal. Escritos que viram recortes. Matemáticas lunares, astrológicas, gráficos, versos diversos.... E visita á xerox! "Sai mais barato e na hora" - conta. Assim saem os novos: com a letra dele, o risco dele, a cara dele.

Da madrugada. Conta que quando menino gastava toda a "Querosene Jacaré" que o pai comprava. Cara, preciosidade. O combustível permitia o luxo das letras e dos números do fogo interior refletindo debaixo do céu. E quando apagava o cadeeiro, estudava as estrelas.

Hoje o profeta aconselha:

Pra você se livrar do aperreio,
Cale mais, fale menos, bem assim:
Vá você hoje mesmo ao correio
Deposite dinheiro para mim
                                Manoel Luiz dos Santos

quarta-feira, 27 de maio de 2020

avião

Ave laminada no céu obtuso
Varando o vento,  a nave mistério
Ou prenha baleia nadando o etério
No vôo das razões, nublado, confuso

Quem fé tem de sobra, na sombra não cega
Quem sobe não pensa no penso da luz
Quem pensa não sobe nas fendas azuis
Quem sobe sem timo, avulto se entrega

Vão vidas humanas no ar suspendidas
Sequências de gente em quelras cabidas
Pisando no corpo que risca no alto

Quisa se perdessem em desconfianças
Será subiriam na justa balança
Do escuro e risonho mutante cobalto

segunda-feira, 4 de maio de 2020

nave-carroça

Vai o meu carro sem rodas
Um anjo torto, um querubim
Pelo dia amarelo
Na luz suspensa de um jardim
Uma rosa em giro
Um passarinho, um cantador
Sábio violeiro
Tocando as dores do amor

Vai o meu carro de vento
Na amplidão, sem ancorar
Um navio flutuante
Reinventando o alto mar
Sem prumo, sem leme
Roda gigante seu timão
Barco flutuante
O almirante o coração

Vai tapete encantado
Na retidão do horizonte
Flerta mil e uma noites
Mais uma história neste instante
Tem uma cidade
Um reino, um sitio, um castelo
Uma fortaleza, 
Uma esperança, um paralelo

Vai carroça dissonante
Cavalo baio, pangaré
Um camelo, um elefante
Um bedoíno, andando à pé
Vai carro volante
Feito as folhas no cordel
Verso inconstante
Poesia solta sem papel

Vai a nave bicicleta
Monta na lua e leva alguem
Vem de longe como seta
Traz boa nova e neném
Grave e redonda
Som de uma outra estação
Pousa, aporta, planta
Um pensamento, um avião

Vai a casa num tornado
Tormento, bardo, um baião
Dança pelo céu nublado
Espera tempo, vôo balão
Sonha colorido
Caminho todo é esse aqui
Vai fica comigo
O que revoa não tem fim

Pelo céu afora vai...

domingo, 24 de novembro de 2019

Pensando sobre elxs

Desceram do eterno essas beldades
Pra povoar o fulgaz puer finito
Dois corações pulsantes 
No real habitam sonhos insondaveis
Simples como aqueles que não conhecem guerras
Complexos na ausente experiência
Ligados a maternagem 

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Cantiga pra Esmeralda dormir

Minha menininha, dorme, dorme, dorme
Sonha com a lua, e dorme, dorme

Voa desprendida, de alma liberta
Plana a calma rua, deserta

Vai no Oriente, tua luz
Dança com os ventos hindus

Minha indiazinha, tem a pele clara
Mas tem proteção da Iara

Preciosa gema,  Esmeralda
É verde sereia de cauda

Lá no horizonte, tem um pássaro bonito
É misterioso e colorido

Vais no teu tapete de algodão 
Cruzando as terras do sertão


Sonha com as estrelas
Sonha com os caminhos
Sonha com o tempo
Sonha com a vida
Com a imensidão 

terça-feira, 23 de julho de 2019

Idade da pedra

Fuça um saco
Lambe um lixo
Come sem asco
Comum bicho
Enquanto ela, a cadela, masca
uma pele de frango
O companheiro observa
Assegurado rango
Ele cheira a pele que sobra
do que ela janta 
Mas não come
Ela retorna e garante
Da noite o derradeiro lanche
Na noite chuvosa
Sem gente na rua
A selva sobrevive no lixo
O bicho domesticado
Que solto vive
Formando matilha
Na ilha da cidade média
Medíocre
Na cidade da pedra
Somos desprezíveis
E essa família de cães
É a coisa mais digna da noite

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Fogo

Velho fogo
Me protege e guia
Me limpa
Me transforma
Sábio avô
Xangô
São João
Fogo que liberta o peito
Quentura boa
Aquece o caminho do abraço
Fogo voínho terno
Carinho eterno
Inácio, José, Manoel
Aqueles que nem conheci
Pais dos pais dos pais
Dos avós, dos mais
Aqueles nem datados
Do passado ancestral
Sabedores antigos
Dos umbrais
Que o fogo universal nos conecte e cure
Vossos corações amplos e esquecidos
Sejam aquecidos
E em nós, seus ramos
Sejam amor
Pleno e livre
Corajoso e renascido

Morcego

Naquela noitinha o sino bateu
E o morcego que me abrigava
Levou com ele um pedaço
Me senti perdida
Não dava pra saber bem
O que ele havia levado
O sino badalou bem na hora
Ele sacudiu as asas no vento, na noite,
Entre as folhas dos pés de pau
Uma sombra volante
Levou aquela parte
Poderia dizer que foi a alma que levou
Porque meus olhos ficaram dispersos
Passeando pelos sentidos
Mas ainda uma parte guiava
Meio cega, buscava guia
Agarrando pequenos sinais
Me experimentei na inocência
Quis cada colo
Com medo dos monstros
Receosa do mal
Envolta de Lua
Com o gosto do Caos
Mãe-Pai
Cadê meu envoltório?
Me senti desprotegida
ao mesmo tempo
tinha uma aura de coragem
Naquela loucura
Tinha um coração se buscando
Tinha uma procura ativa
Na raiz do medo
Tinha eu
Feito uma Batgirl
Abraçada pela grande mãe morcego

Ou pelo Diabo

Ouvindo as badaladas

Me acordando à sombra e luz
No útero um estampido
Revolvendo a Xamã 

Na morte vida
No fio da Terra
Na Grande Mãe

terça-feira, 16 de abril de 2019

Fatias paridas


Qual leite que foi fervido
Poema esterelizado
O boi coletivo é gado
É gado o boi coletivo

Sangra feminino fado
Sangra fardo feminino
Sofre o meu palavreado
Pela a falta de refino

Não tem sentido nem dá
Não dá nem sente o sentido
Um poema desprovido

Gato que foi escaldado
Bicho amojado,  parido
Verso do avesso assanhado
Nublando e obstruíndo

Chuva poesia escura
Umbilical, entranhosa
Auto referente cura
Aparente, receosa

Na metade da verdade
Uma cantiga contida
Passiva agressividade
Mas que permanece viva

terça-feira, 9 de abril de 2019

Verve de vaca

Não venho conseguindo
aquela poesia clara
didática e viável
que aponta, descreve e diz
critica e dá nome aos bois

E tá algo assim
Sem endereçar sentido

E é sem ser que tem sido
Menos grito e mais mugido

Verve de vaca 

Menos letreira, mais leiteira

domingo, 29 de janeiro de 2017

Cata-flores

Dormindo num papelão
Debaixo de um viaduto
Um ser humano adulto
Está próximo do chão
Pela manhã no lixão 
Colheu coisas pro sustento 
Utensílios e alimentos
Catou com a própria mão.

Achou saco de feijão 
Do lixo de um mercado
Estava ainda lacrado
Mas tinha bicho furão
Achou ainda um calção 
Pelos resíduos domésticos 
Embalado com cosméticos 
Bons, mas que estavam vencidos
Cotonetes pros ouvidos
E alguns artigos médicos.

Pelos Picos dos monturos
Encontrou umas perninhas
Viradas pra as andorinhas
Como querendo futuros
O rosto pelos escuros
Dos dejetos esquecidos
Onde seres encardidos
Por ali se aventuram.

Pegou aquelas perninhas
Com sonhos de andarilha
Semelhantes às da filha
Que ainda era novinha
Lembrou também da sobrinha
Que já estava a andar
E que em seu expressar
Pedia uma boneca
- Levo esta para Keca
Pra minha depois brincar.

Era uma antiga boneca
Das que parecem de louça
Estava em uma bolça
Cobrindo a sua careca
Preservou a parte certa
Que estava imergida
Saiu dali tinha vida
Já tinha uma dona, a "Keca".

No caminho catou latas
Que o caminhão descartou
Para ali vender baratas
Para um atravessador

Achou garrafas, papel
Livros de escola, do céu 
Só podiam ter caído
Pois tinha pedido a Deus
E creu ter lhe concedido.

Voltou para casa a noite
Já pousavam os urubus
Pela rodovia açoite 
De carro e do autobus.
A carroça enfeitada
Simbolizava defesa
"Cuidado com minha vida"
Era a legenda retesa.

Espelhada e com faróis
A carroça se postava
Parente dos caracóis 
O carroceiro engrenava
Naquela casa ambulante
De lida atribulante
Da que ele não reclamava.