Nasci
nua. Papai psicólogo reichiano, mamãe yoko ono. A nudez era comum dentro de
casa. Os órgãos sexuais peludos e protuberantes balançando pelos aposentos. À
casa dos pais a nudez nunca foi problema. Até chegar a pré-adolescência. Os
seios começaram a aparecer e fui ficando corcunda de Notre Dame. Quem nunca
teve aquele sonho besta de sair de casa e depois perceber que está nu e ficar
morrendo de vergonha a fim de se esconder, de se enterrar? Eu já tive! Mas com
o tempo comecei mesmo foi a tirar a roupa nas festas, no calor, no protesto,
nas performances, quando tava a fim, à vontade, ou quando queria morrer. Tirar
a roupa passou a ser um suicídio usual, feito escrever, cantar, pintar; um tipo
específico de nudez, e que sempre movimentava comentários, sempre repercutia,
reverberava. Comecei
a trabalhar na faculdade com emergência étnica, arte indígena, território;
entendi que era esse corpo que mexia quando mexia na nudez. Se tinha medo do
índio, do o eu-índio. O índio não era algo resolvido dentro da gente, e não era
algo fácil de desnudar, de aceitar. Na legislação é a nudez um atentado ao
pudor, um crime. A sociedade se ofende consigo, não se aceita, precisa do
fetiche. A obrigatoriedade da roupa fere o direito, a liberdade de expressão, e
a beleza. A nudez não é mal nem pecado, mas socialmente passa a ser, é um forte
complexo sócio-individual que tem que ser trabalhado, com arte, amor e
compaixão.
A
campanha nasceu casualmente como uma filha mulher, quando em 2007 pintei uma
camiseta azul celeste para mim mesma. O desenho era de uma pessoa fêmea, feliz,
acenando e caminhando nua, ao lado a mensagem escrita; ANDE NUA. Eu era
acostumada a pintar minhas próprias camisas com os temas mais variados, mas
esse chegou polêmico cômico, quando fui sair de casa minha tia me repreendeu;
“você vai ser estuprada”- ela disse. Que coisa louca... Era apenas uma camisa,
uma camisa bem composta até, de manguinhas e botões. Fiquei achando a maior
loucura ela me repreender por causa da mensagem e achei que a loucura era coisa
só dela, mas ao sair na rua vieram olhares e outros comentários. Gentes loucas.
Claro que eu não era inocente quanto ao fato de quão tabu era a nudez na nossa
sociedade, mas não imaginava que chegasse a tal ponto a abstração. Eu estava
vestida, bem vestida, mas a mensagem incitava algo, e esse algo era a própria
contradição que acabei achando ótimo que incitasse. Foi excitante, vieram mil
outras reflexões, quais antes não faziam parte das pretensões; não pretendia
polêmica - era uma brincância, uma camisa, uma tentativa estética - mas essa
brincância acordava complexos mais amplos que a campanha agora tinha que arcar.
Comecei a fazer mais e mais camisas do tipo, figuras variadas e a nudez do meu
traço, e fui vendendo e dando, umas eu fotografei, outras se foram sem
registro, mas a proposta continua acesa e a agregar novos valores.