sábado, 10 de novembro de 2012

ciganos



De como Laura conheceu Dulce.

Cidade de Flores, vale do Rio Pajeú, Sertão do Estado de Pernambuco. A menina Dulce de oito anos de idade perambula o centro, perto da feira, a mão passando dedinhos pelas grades das casas granfinas, pega um hibísco e despetála, se encosta em um carro negro, se adimira nos vidros, fica gordinha e torta na imagem da lataría e ri sem dois dos dentinhos cerrados; é queimada do sol, acobreada, os dedos magros e abertos e os cabelos secos de ondas; a mãe interpela transeuntes olhando nos olhos; com os cabelos repartidos ao meio escuros de tinta, a camisa com babados na gola canoa e mangas fofas e curtas num elástico que marca a curva que define o fim do ombro, fartos os seios de quem amamenta na blusa sem tanto decote; pouco da barriga aparece, a saia estampa um jardim, um lenço azul amarrado baixo o ventre em v e vazado dá pompa a personagem que está despida de jóias; ganha uns trocados de um senhor de chapéu, mas ele não permite que lhe leia a mão; “é pra menina”, diz e aponta, junto com as moedas um pirulito de açucar queimado em forma de quarda chuva; segura a feira e a mão da neta, quase a menininha dele parecia com Dulce, elas se olham de longe com um sorriso amarelo sem tantos dentes. Dulce no seu perambular, conhece uma mulher que pesquisa ciganos por aquelas bandas, Dulce não sabe disso, não entende, fica olhando pidona e a extranha pergunta o que Dulce quer, ela diz querer dinheiro, dinheiro não tenho, como é seu nome, “Dulce”, diz, e pega na mão da moça.  Largas as sobrancelhas delas, percebe que a extranha tem cara de cigana, pede a Dulce que a leve em sua casa, Dulce toda livre nem olha para mãe que se ocupa em suas propostas de consulta. Vai até a casa do avô agarrada à mulher do carro preto, dulce pergunta a moça por que ela fala diferente e ela diz que é argentina. Chegando na casa a argentina do carro preto pergunta ao avô da criança se pode dançar pra ele, liga o som na sala que o sol entra, ele sentado perto da quina do corredor que dá pra cozinha, as paredes azul claras, no caminho os quartos, no vermelho da dança sai um rapaz belo de um dos aposentos, é irmão do pai de Dulce, mira desejoso os movimentos da toura na maré do sonho de de tarde, no enfado do calor dalí. Voce é bonita, diz ele depois da dança dela, enquando se encaminham à cozinha afim do café que ofereceu a velha que desconfiada fala na língua cigana com a neta e depois inquere a argentina que ainda é extrangeira; “como é seu nome”, Laura, responde vendo os movimentos da velha que prepara café.

(da série, 'peixes e ciganos' - Junho. 2010).

Sapo cítrico

-Achei de comer um sapo de gelatina. Era um sapo cítrico. Coloração verde verdade e aroma artificial. Textura de pele. Entre mucosa e cartilagem. Nem uma coisa nem outra. Anfíbio obliquo da ilusão. Engoli. Na fila do cinema mudo.

-Absurdo. Tava bom?

-Bom como o desprezo. Como boca costurada com um nome dentro. Entre o desejo e o paladar.



( 9. 11. 12 - shopping plaza, em torpedos de cientista com Hugo Coutinho)