sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Casa barriga

 
A casa barriga era 
[um balaio pendurado.
No chão tábuas soltas,
no cordão, passarinhos
[de barro.
Voa a beringela,
os sucrilhos, o lenço,
[no chão.
Voa o balaio pendurado.
As bonecas, a TV, o chão
e o balaio pendurado.
A porta, ferrolho, cadeira,
[portão... Tela,
janelas...
Passarinhos de barro.

Ciclos

Queria poder assumir meu eu cigano
Mas não tenho provas

Queria poder assumir minha África
Mas não tenho a cor

Queria assumir meu sangue indígena
Mas me roubaram esse direito

Tenho um buraco
cheio de nomes e sobrenomes

Se assumo a mistura corro o risco
De suprimir os privilégios

Se nada assumo fico feia
Em cima do muro

Nunca fui afeita à apatia
Não fosse a doença

A onça magra me caça
Morta pelo ancestral errante

Eu tateio tudo
Muda na avalanche

O século é da estrela
É a estrela é o Sol

A lua muda comigo
Somos apenas ciclos

A natureza da flor

Inquietante pensar
Que o desamor possa haver
Que mal se possa fazer
Que a vida possam roubar
A beleza violar
Mudando o rumo da estrada
Essências violentadas
Perguntamos até quando
Eu vi as plantas velando
Mil flores despetaladas

Sob leis eclesiais
Hipocrisia imperante
Alguns direitos vitais
Tomaram tom dissonante
O proscrito e o errante
Voz que quiseram calada
Sabedoria queimada
Em fogo se transformando
E a natureza velando
Mil flores despetaladas 

Mil flores despetaladas
Estrada e terra que voa
Espinhadeira corroa
Na Crística caminhada
Porém a nossa pisada
Tem passo forte e pesado
Caminho abençoado
Pela mãe compadecida
Que gera, cuida e dá vida
Ao que outrora foi velado.

A força do feminino
Nos encoraja na fé
A graça de ser mulher
E entoar nosso hino
Um encanto peregrino
Entorna a face cansada
Abranda a dor esgarçada
Do parto pleno se dando
Sereno desabrochando
A roseira agraciada.

O mar chegou aportado
Veio esgarçando a fresta
Serena sua seresta
Sereno o seu estado
Sereias em seu legado
Um rio virando mar
Um uivo soa lunar
Na voz de todos os santos
Mil bruxas saúdam seu canto
em seu retorno para cá