Dormindo num papelão
Debaixo de um viaduto
Um ser humano adulto
Está próximo do chão
Pela manhã no lixão
Colheu coisas pro sustento
Utensílios e alimentos
Catou com a própria mão.
Achou saco de feijão
Do lixo de um mercado
Estava ainda lacrado
Mas tinha bicho furão
Achou ainda um calção
Pelos resíduos domésticos
Embalado com cosméticos
Bons, mas que estavam vencidos
Cotonetes pros ouvidos
E alguns artigos médicos.
Pelos Picos dos monturos
Encontrou umas perninhas
Viradas pra as andorinhas
Como querendo futuros
O rosto pelos escuros
Dos dejetos esquecidos
Onde seres encardidos
Por ali se aventuram.
Pegou aquelas perninhas
Com sonhos de andarilha
Semelhantes às da filha
Que ainda era novinha
Lembrou também da sobrinha
Que já estava a andar
E que em seu expressar
Pedia uma boneca
- Levo esta para Keca
Pra minha depois brincar.
Era uma antiga boneca
Das que parecem de louça
Estava em uma bolça
Cobrindo a sua careca
Preservou a parte certa
Que estava imergida
Saiu dali tinha vida
Já tinha uma dona, a "Keca".
No caminho catou latas
Que o caminhão descartou
Para ali vender baratas
Para um atravessador
Achou garrafas, papel
Livros de escola, do céu
Só podiam ter caído
Pois tinha pedido a Deus
E creu ter lhe concedido.
Voltou para casa a noite
Já pousavam os urubus
Pela rodovia açoite
De carro e do autobus.
A carroça enfeitada
Simbolizava defesa
"Cuidado com minha vida"
Era a legenda retesa.
Espelhada e com faróis
A carroça se postava
Parente dos caracóis
O carroceiro engrenava
Naquela casa ambulante
De lida atribulante
Da que ele não reclamava.