Cordel do Karma
amoroso.
Cumadre,
minha cumadre
Inda
bem que tu chegou
eu
já tava agoniada
te
esperava com fervor
tenho
tanto a te contar
que
é melhor tu te sentar
pois
a história é de amor
Ave
Maria, cumadre
Então
tô no lugar certo
Pois
se existe uma coisa
De
que quero ficar perto
É
de causos de paixão,
De
romance, de tesão
De
amores descobertos
Já
tô vendo pelo tom
Tu
também estais deslumbrada
Achaste
alguém pela estrada!
Estás
usando até batom
Vermelho,
minha cumade
Tamanha
a euforia
Um
fogo que vem de dentro
Coisa
que não mais sentia
Vermelha
também estou
Vestida
toda em paixão
Suspiro
a todo instante
Me
guia a emoção...
Acontece
que, cumade,
Uma
confusão me invade
Algo
sem explicação!
Me
conte logo quem é
a
figura do momento
Provavelmente
outro karma
conduzido
pelo Vento
No
dia que o vi, era Primavera,
Estrelas
bailavam, saudando a estação
E
os ares mudavam a constelação
Trazendo-me
o novo, o que não se espera
Uma
luz incidia, cores de aquarela
E’eu
água, fluindo, o olhava surpresa
me
reconhecia, confusa clareza
lembranças
de um tempo, quase intemporal
alguém
que algum dia, me era vital
e
que ressurgiu, me trazendo incertezas
Como
Jung nos dizia
O
que a gente não resolve
Não
tem jeito, não dissolve,
Retorna
como destino
êêêita...
Esse
Jung era sabido...
era
sabido demais!
Eu
mermo num ‘tem’ mais paz
‘Té’
meu sonho é perseguido
Pareço
animal ferido
Sem
muito poder mexer
O
deixar acontecer
É
o que tenho de opção
Não
posso ir na contra-mão
Só
me resta re-viver
Pra
isso que os karmas vêm
uns
fantasmas ressonantes
uns
zumbidos, uns berrantes
ressuscitados
do além
e
não nos deixam tão zen
nos
agoniam é muito
com
garras de cão afoito
arranhando
as nossas portas
acordando
coisas mortas
em
seus grunhidos de coito.
Também
se buscam de fato,
e
a nós suas esposas;
Sendo
lobos e raposas,
Sendo
cachorros do mato,
A
luz do olho do gato.
O
movimento da lua.
Expresso
e me sinto nua
Ele
cala e eu escuto...
Porque
eu fico de luto
entendendo
a morte sua?!...
És
igual Orfeu de Eurídice
Não
crês que o possas ter!
E
a morte que te fere
e
que não querias ver
é
o que de fato se inscreve
nas
profundezas do ser.
E
mermo, comadre sábia
tinha
esquecido essa a lei
Se
penso no que não quero
só
o que não quero vem
Devo
pensar no que é belo
Pensar
no que me faz bem
Ontem
mesmo me deram para ler
um
livreto do sábio Saramago
Bem
se vê pelo nome que foi mago
inda
mais pelas coisas que se lê:
“Que
amar é a melhor forma de ter
e
que ter é a pior forma de amar”
Veja
só que exercício salutar,
o
de amar sem ter medo de perder,
e
perder esse medo de amar!
Parece
queu li o tal livro que dizes
Num
fala de mares, de ilhas até?!...
Exatamente,
cumadre
um
navegante que quer
um
barco, e que pede ao rei,
e
lhe escuta uma mulher
e
comungando do vento
oferece
a sua fé.
A
ilha desconhecida
ele
pretende encontrar
Uma
ilha diferente
Que
em nenhum mapa está
Canto
desacreditado
pelas
gentes do lugar
E
procura o não-lugar
o
ponto de mutação
de
que nos comenta a física
fazendo
essa alusão
a
um espaço que existe
mas
que é em relação!
A
ilha desconhecida
é
aquela que nos une.
Ninguém
a ela é imune
Por
todos ela é sentida.
E
a essência da vida...
Pensamento
dividido.
Se
o EU cá é finito,
o
OUTRO é que é o sentido!
Num
vejo sentido não
pois
não sei se ele vê
eu
penso que só fiz merda
em
inventar de me envolver
e
ele agora me despresa
Me
olha todo blasé...
Todo
bicho produz merda,
Fato!
fede e fertiliza.
Com
tudo a gente improvisa
Se
aprende com a perda.
De
toda morte se herda
Alguma
lida e saber...
Perca
o medo de perder
Seja
parca, fique em paz
Signifique
o rapaz
Na
metáfora do ser.
Nossos
olhares se olhando
Trazem
embriagamento
nossos
corpos se tocando
uma
febre, um lamento
freqüências
já moduladas
energias
reencontradas
uma
prece, um alento
Pois
é, querida cumadre...
A
flor das habitações
O
mago destas nações
As
razões da grande madre!
Já
nas orações do padre
a
busca é conflituosa.
Entre
a poesia e a glosa
a
prosa prata Luzia
Uma
igreja hipocrisia
Silêncio
que oprime a rosa.
inda
bem que tu entendes
É
exatamente isso
Um
cutucão no toutiço
Que
nos deixa mêi demente
Nos
remexe de repente
O
sangue e alma fervura
Se
instala uma loucura
Santa,
contudo profana
Que
nos confunde, que engana
E
nos lança na aventura
Aventura
de tempos ancestrais
Carregada
de símbolos, mistérios
De
poderes intrínsecos, etéreos
Recorrendo
buracos abissais
Vindo
à carne, a nós os animais
Conscientes
e tão inconscientes
De
nós mesmos, nós sempre tão ausentes
Tão
perdidos, buscando e buscando
E
no outro, no espelho, encontrando
Sonho,
imagens, fogueiras e correntes
E
correntes correntes, e correntes...
Corredeiras
me trazem, eu, menina
De
colares, pulseiras e anéis
Danço,
canto, e escrevo uns cordéis
Redescubro
minha graça feminina
A
essência sagrada, eu divina
O
meu sangue em cálice de amor
O
meu sexo pulsando com ardor
Derramando
meu cheiro no universo
Me
entrego, revelo meu reverso
Dou
adeus ao que em mim era torpor
Comadre querida, é tudo qu’eu quero
Poder ser tão plena nessa comunhão
Mas vem esse medo, essa culpa, esse não
Paixão somatizo, doença que gero
Depois me perdoo, medito, e espero
Que um dia o encontro amanheça melhor
Encontro comigo, é bom estar só
Segura, tranqüila, realimentada
Depois de sangrar, de alma lavada
Me sinto mais gente, desatei um nó.
Muitos nós, no entanto, ainda existem
E é somente em contato e relação
Que se pode tratar com exatidão
Os feridos e feras que insistem
Pois te digo que eles não desistem
Como Jung nos disse eles retornam
E os caminhos febris eles adornam
Como pedras nos selfs,
atordoam
Arabescos tais aves que revoam
E onde pousam, janelas que se tornam.
Penso até que em outra vida
Eu fui dele a Psique
Procurava sem saber
Que nele eu tava contida
E incerta, e atrevida
Redescobri-me no amor
Fui flexada, senti dor,
Mas prossegui na jornada
Por deuses abençoada
Torno ao Cosmos com louvor
Quem nos guia é o fio de Ariadne
O amor, nossa busca incessante
tando juntos, não existe minotauro
Que nos mate, aniquile, corte o instante
Mas se em ilha sozinha me deixar
Eu invoco a deusa Afrodite
E ela logo aceita meu palpite
E me envia um Deus pra me encantar
Meu mortal viverá em outras paragens
Seguirei com outro alguém nessa viagem
Meu destino é um dia eu me encontrar
Esses pestes vêm é aperriar
Aperreio preciso, eloqüente
E a gente, mulheres – as serpentes!
Cutucadas nos pomos a gritar
Nos abrimos pro ser e pro estar
Nos abismos gozamos confiança
Respeitando a si e a própria dança
Convivemos com o medo inerente
Que contido em nós, seres viventes
Nos transmuta, nos lança, nos balança.
Eita conversa infinita
Num instante passou a hora
Se sentires alguma coisa
Expressa, bota pra fora
Faz teus verso, poetiza
Cheira as flores sente a brisa
Comtempla o nascer da aurora!
Por Luciana Carmen Rabelo e Anaíra Mahin
Recife, 2010