quarta-feira, 14 de novembro de 2012

karma kordel


Cordel do Karma amoroso.

Cumadre, minha cumadre
Inda bem que tu chegou
eu já tava agoniada
te esperava com fervor
tenho tanto a te contar
que é melhor tu te sentar
pois a história é de amor

Ave Maria, cumadre
Então tô no lugar certo
Pois se existe uma coisa
De que quero ficar perto
É de causos de paixão,
De romance, de tesão
De amores descobertos

Já tô vendo pelo tom
Tu também estais deslumbrada
Achaste alguém pela estrada!
Estás usando até batom

Vermelho, minha cumade
Tamanha a euforia
Um fogo que vem de dentro
Coisa que não mais sentia

Vermelha também estou
Vestida toda em paixão
Suspiro a todo instante
Me guia a emoção...
Acontece que, cumade,
Uma confusão me invade
Algo sem explicação!

Me conte logo quem é
a figura do momento
Provavelmente outro karma
conduzido pelo Vento

No dia que o vi, era Primavera,
Estrelas bailavam, saudando a estação
E os ares mudavam a constelação
Trazendo-me o novo, o que não se espera
Uma luz incidia, cores de aquarela
E’eu água, fluindo, o olhava surpresa
me reconhecia, confusa clareza
lembranças de um tempo, quase intemporal
alguém que algum dia, me era vital
e que ressurgiu, me trazendo incertezas
Como Jung nos dizia
O que a gente não resolve
Não tem jeito, não dissolve,
Retorna como destino
 
êêêita...
Esse Jung era sabido...
era sabido demais!
Eu mermo num ‘tem’ mais paz
‘Té’ meu sonho é perseguido
Pareço animal ferido
Sem muito poder mexer
O deixar acontecer
É o que tenho de opção
Não posso ir na contra-mão
Só me resta re-viver

Pra isso que os karmas vêm
uns fantasmas ressonantes
uns zumbidos, uns berrantes
ressuscitados do além
e não nos deixam tão zen
nos agoniam é muito
com garras de cão afoito
arranhando as nossas portas
acordando coisas mortas
em seus grunhidos de coito.

Também se buscam de fato,
e a nós suas esposas;
Sendo lobos e raposas,
Sendo cachorros do mato,
A luz do olho do gato.
O movimento da lua.
Expresso e me sinto nua
Ele cala e eu escuto...
Porque eu fico de luto
entendendo a morte sua?!...

És igual Orfeu de Eurídice
Não crês que o possas ter!
E a morte que te fere
e que não querias ver
é o que de fato se inscreve
nas profundezas do ser.

E mermo, comadre sábia
tinha esquecido essa a lei
Se penso no que não quero
só o que não quero vem
Devo pensar no que é belo
Pensar no que me faz bem

Ontem mesmo me deram para ler
um livreto do sábio Saramago
Bem se vê pelo nome que foi mago
inda mais pelas coisas que se lê:
“Que amar é a melhor forma de ter
e que ter é a pior forma de amar”
Veja só que exercício salutar,
o de amar sem ter medo de perder,
e perder esse medo de amar!

Parece queu li o tal livro que dizes
Num fala de mares, de ilhas até?!...

Exatamente, cumadre
um navegante que quer
um barco, e que pede ao rei,
e lhe escuta uma mulher
e comungando do vento
oferece a sua fé.

A ilha desconhecida
ele pretende encontrar
Uma ilha diferente
Que em nenhum mapa está
Canto desacreditado
pelas gentes do lugar

E procura o não-lugar
o ponto de mutação
de que nos comenta a física
fazendo essa alusão
a um espaço que existe
mas que é em relação!

A ilha desconhecida
é aquela que nos une.
Ninguém a ela é imune
Por todos ela é sentida.

E a essência da vida...
Pensamento dividido.
Se o EU cá é finito,
o OUTRO é que é o sentido!

Num vejo sentido não
pois não sei se ele vê
eu penso que só fiz merda
em inventar de me envolver
e ele agora me despresa
Me olha todo blasé...

Todo bicho produz merda,
Fato! fede e fertiliza.
Com tudo a gente improvisa
Se aprende com a perda.
De toda morte se herda
Alguma lida e saber...
Perca o medo de perder
Seja parca, fique em paz
Signifique o rapaz
Na metáfora do ser.

Nossos olhares se olhando
Trazem embriagamento
nossos corpos se tocando
uma febre, um lamento
freqüências já moduladas
energias reencontradas
uma prece, um alento

Pois é, querida cumadre...
A flor das habitações
O mago destas nações
As razões da grande madre!
Já nas orações do padre
a busca é conflituosa.
Entre a poesia e a glosa
a prosa prata Luzia
Uma igreja hipocrisia
Silêncio que oprime a rosa.

inda bem que tu entendes
É exatamente isso
Um cutucão no toutiço
Que nos deixa mêi demente
Nos remexe de repente
O sangue e alma fervura
Se instala uma loucura
Santa, contudo profana
Que nos confunde, que engana
E nos lança na aventura

Aventura de tempos ancestrais
Carregada de símbolos, mistérios
De poderes intrínsecos, etéreos
Recorrendo buracos abissais
Vindo à carne, a nós os animais
Conscientes e tão inconscientes
De nós mesmos, nós sempre tão ausentes
Tão perdidos, buscando e buscando
E no outro, no espelho, encontrando
Sonho, imagens, fogueiras e correntes

E correntes correntes, e correntes...

Corredeiras me trazem, eu, menina
De colares, pulseiras e anéis
Danço, canto, e escrevo uns cordéis
Redescubro minha graça feminina
A essência sagrada, eu divina
O meu sangue em cálice de amor
O meu sexo pulsando com ardor
Derramando meu cheiro no universo
Me entrego,  revelo meu reverso
Dou adeus ao que em mim era torpor

Comadre querida, é tudo qu’eu quero
Poder ser tão plena nessa comunhão
Mas vem esse medo, essa culpa, esse não
Paixão somatizo, doença que gero
Depois me perdoo, medito, e espero
Que um dia o encontro amanheça melhor
Encontro comigo, é bom estar só
Segura, tranqüila, realimentada
Depois de sangrar, de alma lavada
Me sinto mais gente, desatei um nó.

Muitos nós, no entanto, ainda existem
E é somente em contato e relação
Que se pode tratar com exatidão
Os feridos e feras que insistem
Pois te digo que eles não desistem
Como Jung nos disse eles retornam
E os caminhos febris eles adornam
Como pedras nos selfs, atordoam
Arabescos tais aves que revoam
E onde pousam, janelas que se tornam.

Penso até que em outra vida
Eu fui dele a Psique
Procurava sem saber
Que nele eu tava contida
E incerta, e atrevida
Redescobri-me no amor
Fui flexada, senti dor,
Mas prossegui na jornada
Por deuses abençoada
Torno ao Cosmos com louvor

Quem nos guia é o fio de Ariadne
O amor, nossa busca incessante
tando juntos, não existe minotauro
Que nos mate, aniquile, corte o instante

Mas se em ilha sozinha me deixar
Eu invoco a deusa Afrodite
E ela logo aceita meu palpite
E me envia um Deus pra me encantar
Meu mortal viverá em outras paragens
Seguirei com outro alguém nessa viagem
Meu destino é um dia eu me encontrar

Esses pestes vêm é aperriar
Aperreio preciso, eloqüente
E a gente, mulheres – as serpentes!
Cutucadas nos pomos a gritar
Nos abrimos pro ser e pro estar
Nos abismos gozamos confiança
Respeitando a si e a própria dança
Convivemos com o medo inerente
Que contido em nós, seres viventes
Nos transmuta, nos lança, nos balança.

Eita conversa infinita
Num instante passou a hora
Se sentires alguma coisa
Expressa, bota pra fora
Faz teus verso, poetiza
Cheira as flores sente a brisa
Comtempla o nascer da aurora!


Por Luciana Carmen Rabelo e Anaíra Mahin
Recife, 2010

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