quarta-feira, 14 de novembro de 2012

duas histórias em uma



O  Milagreiro Quebra-Osso
eo romance de Mabel e Toríbio Fortes


Eu vou contar a história
Dum caso que aconteceu
Há mais de 50 anos
E que comigo mexeu
É a história de um casal
Que ficou amigo meu.

Não sei se alguém já leu
Nenhum livro foi escrito
Mas quando eu fui escutando
Fui achando tão bonito
Que não podia deixar
No dito pelo não dito.

Eu aqui ainda cito
O dia em que os conheci
Naquela noite chuvosa
Perto do Tucuruvi
No bairro Vila Mazei
Naquelas bandas dali.

Com a minha vó, tava ali,
Com Saura, e a prima Aninha
Também tava o primo Henrique
E a minha tia Kinha
Esperando numa fila que
Outras pessoas tinha.

E outras pessoas vinham
Procurando alguma cura
Pra seus problemas de ossos
Pra sua desestrutura
Pra melhorar a cifose
E aumentar na altura.

Era um senhor sem frescura
O curador do lugar
Com uma roupa de esportista
E um tênis all star
Disseram que havia sido
Da polícia militar.

Continuando a contar
O senhor que descrevia
Teve um problema grave
Que doutor não resolvia
E o milagre da cura
Foi com quiropraxia.

E essa tal praxia
Pra ele virou missão
Tendo aprendido o ofício
Tinha uma coisa na mão
E essa coisa era a cura
Que hoje oferta a todo irmão

E virou religião
A promessa do senhor
Que aprendido o bendito
Ofício que o curou
Ele o ia divulgar
Como graça ao salvador

E com as mãos de amor
O homem vem estralando
As juntas de quem lhe chega
Pela fila lhe esperando
E chega o povo bem torto
E ele saí concertando.

Parece que vai quebrando
Lhe apelidam “quebra osso”
Às vezes tem um gritando
Dizendo: “calma Seu moço”
Mas quando lhes passa a dor
Querem encher o seu bolso.

O fato é que o “Quebra Osso”
Que estrala tão ligeiro
Trabalha pela promessa
Não pela voz do dinheiro
Porque se ele quisesse
Ele virava bicheiro.

Mais parece um milagreiro
De tanta gente na porta
Tem gente que vem tão mal
Que a nossa alma corta
Mas o tal do “Quebra Osso”
Vai ali e desentorta.

Somente o que o conforta
É o corpo em harmonia
O esqueleto certinho
Sem nenhuma cirurgia
Pois só o que ele critica
É a tal alopatia.

Que qualquer Dona Maria
Que chegue a um hospital
Com dores em suas juntas
O doutor diz: “estás mal,
O jeito é cirurgiar
Na anestesia geral”.

Eu digo que esse mal
O milagreiro abomina
E aconselha a seu povo
E a ninguém discrimina
Pois todos têm o direito
De ficar com tudo em cima!

Mas eu me perdi menina,
Da outra história importante!
Ia contar pra vocês
Outra coisa nesse instante...
Espera que vou lembrar...
Não preciso ir tão distante.

Então, seguindo adiante,
(Lembrei o causo qual era)
Naquela fila engraçada
Não foi coincidência mera
Encontrar aqueles dois
Ali, numa mesma espera.

Uma coisa a outra gera
É a lei da atração
Encontrei aqueles dois
Em silenciosa oração
Cês vão ver como deu certo
Como entraram na canção.

Eu pensando: ‘Eita mundão
De coisa linda pra ver
Só basta ser a janela
Para o dia amanhecer
E depois de amarela
Virar azul no saber.

E tudo a acontecer,
Sem uma ativa procura
A brincadeira existindo
Com as asas na loucura
Uma loucura de ave
Que eleva a vida à altura.

Pois eu estava segura
E na busca do presente
Sabendo que tinha algo
A me dar aquela gente
Sabendo que a mão da troca
Não era tão diferente.

Foi então que de repente
O casal veio ao destino
Um senhor que alegremente
Cantava um tango argentino
Em uma veste alinhada
E com ares de menino

Estava muito granfino
Feito cantor de bordel
Um terno preto listrado
Só lhe faltava o chapéu
E ao lado a sua esposa
De nome: Dona Mabel

A mão de dona Mabel
A cavucar pela bolsa
Procurava um retrato
Do tempo em que era moça
Um retrato bem antigo
Que ela guardava zelosa.

Um maiô bem elegante
a trapezista vestia
preto e branca no retrato
colorida na magia
do tempo em que trabalhava
num tal de Circo Garcia

recordava apontando
o retrato situado
recordando inclusive
como havia começado
essa vida estradeira
com Toríbio, seu amado

nas terras da Paraíba
Campina Grande a cidade
Foi onde começou tudo
Com muita propriedade
Uma cigana dizia
Que ela dali saia
Por causa de amizade

E um dia, dito e feito
Chegou por lá um rapaz
Leitoso, cabelos pretos
olhos cheios de sinais
pelos mistérios destinos
das suas sinas gerais.

Ele gostou da donzela
Fixamente a olhou
E a face enrubecida
Pelo olhar que a penetrou
Corajosa e discreta
Um outro passo esperou

Ele foi ao seu encontro
Não sabia o que dizer
Se sentindo apaixonado
Quis com a moça viver
Pediu logo em casento
Pelo medo de perder

Como ele era do circo
medrava a rejeição
Inventou umas mentiras
naquela situação
Pabulando um outro ofício
Que apresentasse mais chão

Mabel, cabocla faceira
Em Toríbio apostou
Não que ela acreditasse
Em tudo que ele falou
Mas era crente às palavras
Que a cigana professou

O pai dela era valente
velho brabo e ciumento
Queria filha nenhuma
Arranjando casamento
Com forasteiro enxerido
Don Juan, mal elemento

Consciente da resposta
De seu querido paizinho
Mabel, que era decidida
A seguir o seu caminho
Embarcou na aventura
Dessa troca de carinho

Fugiu com o viajante
Virou moça desonrada
E nesse caminho errante
Já tripulando a estrada
Uma verdade secreta
De pronto foi revelada

"A minha casa é o circo
Não sou rico nem doutor
Temia que se dissesse
Estremessesse o amor
Mas nesse momento digo
Inda queres vir comigo
Ou vais me deixar na dor?"

"Dá tempo de desistir"
Mabel refletiu - será?
Se eu voltar desonrada
O meu pai pode me matar
Eu já ousei na coragem
Não quero mais arriscar

E foi-se embora Mabel
Fazer da estrada a sina
Deixou a vida de moça
Os pais, a casa, a campina
Já ae sentia mulher
Carregando uma menina

Dali foram muitos circos
Que essa dupla enfrentou
Tiveram filhos os dois
Uma equipe se formou
Criaram seu próprio circo
Não era pobre nem rico
O universo ajudou

Com a família formada
Voltaram para Campina
Mabel fora perdoada
Pela saga peregrina
Seu pai e mãe viram festa
Cada neto uma seresta
Refiguravam a sina

Turíbio a mãe recordava
Uma Índia Guarani
Cabelos negros da noite
Feito a valente Anaí
Viveu as dor do desmundo
Mas deixou um tom profundo
De força pra o conduzir

Lembrava ele dos traços
Do rosto da mamãe sua
Da verdade que trazia
Em sua beleza crua
E do cansaço vigente
Que embebia o presente
Na lembrança que situa

Essa ancestralidade
Os dois traziam em si
Sendo Mabel sertaneja
Uma cabocla daqui
Em sua face trazia
Uma invisível etnia
De outra ramagem tupi

Enfim, contei deste encontro
Como tantos outros são
Entrelaçados a outros
Unindo cor e canção 
Tendo a história na bagagem
Busco no verso ancoragem
Pro barco ter direção

Tenho admiração 
Por trajetórias assim
Histórias vivas reais
Que chegaram até mim
Que em momento me encantaram
E por aqui se contaram
Virando verso no fim



































Nenhum comentário: